POLITICAMENTE…CORRETOS…?

POLITICAMENTE…CORRETOS…?

Pedro Santos

Devia ser o ano de 1969… Lembro-me de que via na televisão, em preto e branco, recém comprada por meu pai, as imagens de pessoas correndo da polícia pelas ruas de alguma cidade grande…possivelmente São Paulo. Hoje sei que tratava-se de protestos combatidos pela “Ditadura Militar”… (tempo de amarga lembrança para boa parcela de minha geração… e de “saudosa memória” para muitos, inclusive jovens, que tentam transformar aqueles “anos de chumbo”, que às vezes nem conheceram, numa panaceia a ser revivida…). Mas, naqueles meus 9 anos de vida, confesso que aquilo também para mim não era nada mais que algum programa de tevê como outro qualquer. Não nascia ali nenhum vestígio de uma futura consciência política que, vez por outra, tenta se firmar em minhas convicções. Eu seria muito hipócrita se quisesse pousar de “rei da moralidade”… por isso, ao narrar por aqui o comportamento de quem quer que seja, tentarei me cuidar para não emitir julgamentos dos quais nem eu mesmo escaparia ileso. Já disse em algum lugar não ter captado em meu pai qualquer tendência ideológica, nem nos tempos dos “Militares” no poder, que pudesse ter influenciado sua prole. Se ocorreu alguma “iniciação política” em minha casa, foi através de meu irmão João José, que se elegeu vereador em 1982, aos 24 anos, com 670 votos, pelo PMDB, partido de oposição à “Ditadura Militar”. Seu êxito eleitoral veio na esteira de sua participação no “Jornal Brexó”, de sua presença como jogador no futebol amador em Itaúna e, talvez, por ter-se tornado bem conhecido como o ”João do Fico”… ( e este ”Fico” não é tipo aquele atribuído a D. Pedro I… mas apenas um apelido de nosso pai). Desse seu único mandato, que durou, excepcionalmente, seis anos, me lembro apenas de uma proposta sua, juntamente com outro edil, que provocou a municipalização do ”serviço de água” em Itaúna, que estava nas mãos de uma tal “Fundação Sesp”, dando origem ao atual SAAE. Mas no decorrer de sua legislatura, aquele ímpeto combativo da campanha que o elegeu foi dando lugar a um perfil mais conciliador e mais tendente aos próprios interesses. Nem buscou a reeleição… criando oportunidade para meu irmão Geraldo Afonso tentar sua vez em 1988, pelo PFL… ficando na suplência, com apenas 228 citações nas urnas. Mesmo que quisesse vencer… aquele jogo não era a sua praia. Por trás de sua campanha festiva, talvez houvesse um interesse pessoal maior… de se aproximar de certos mandatários, ligados à “Cia. Industrial Itaunense”, empresa que, tempos depois, não só por isso, lhe possibilitaria uma cota de tecidos, que alimentaria seus primeiros passos para se tornar também um do grande empresário na área têxtil. É… melhor que tenha perdido nas urnas… para ganhar nos negócios. Na disputa seguinte, em 1992, nosso cunhado, “Bolivar do INSS”, tentou reconduzir a família ao poder… mas seus 288 votos não foram suficientes. No entanto, mais conhecido na cidade, por seus préstimos previdenciários, seria, enfim, eleito em 1996, com 589 votos. No ano 2000, queríamos mais: tivemos dois concorrentes pela família, João José e Bolivar, que tentava a reeleição. Não deu para nenhum… nem os 376 ou os 310 votos de um e de outro, respectivamente, bastaram para realizar o nosso sonho familiar de uma vitória em dose dupla. Foi querer muito! Mas em 2004, uma estupenda votação colocaria Bolivar entre os 10 eleitos, com 1055 votos, deixando evidente a eficiência de seu trabalho assistencialista. João ainda tentaria (sem êxito) mais duas vezes, em 2008 e 2012, angariando 664 e 307 votos. Por enquanto, ninguém fala mais em candidaturas municipais dentre os nossos. Nosso irmão Lásaro, que quase foi eleito vice-prefeito em 1982 (em dupla com o candidato a prefeito “Marcos Elias” ), com essa parada (momentânea) eleitoral na família, deva sentir até um certo alívio. Não foi só uma vez, com seu jeito de “bom samaritano”, que ele se dispôs a sair “pedindo votos” para “nossos representantes”, ouvindo, numa delas, uma constrangedora resposta, ao estender a mão para entregar um ”santinho” de um concorrente familiar: “Uai, Lazo…o candidato agora é outro? Ah… ceis fica variando! Cada vez é um, né?! O negócio é ganhar…” Não há dúvidas de que, na família, aquele que mais se jogou nessas disputas foi João, tentando até se eleger “Deputado Federal”, mas a votação obtida ficou bem longe de qualquer possibilidade… se bem que sua preocupação maior fosse dar uma boa votação ao deputado estadual com o qual fazia dobradinha e que bancava a sua aventura. Mas gostava mesmo disso! Quando se arriscou a Prefeito, em 1996, praticamente na cara e na coragem, ficou em terceiro, com 4918 votos, atrás de Pedro Paulo (11227) e Osmando (23132), que se elegeu com forte apoio financeiro. Essa sua empreitada majoritária, apesar de não ter ganhado, foi tão empolgante quanto a de sua vitoriosa de 1982… dispondo até de um jingle feito em BH, tão marcante, que ainda faria sucesso, principalmente entre as crianças: ”João José… vamos abrir a cidade!” E reuniu um grupo de candidatos a vereador que fariam sucesso na “Escolinha do Professor Raimundo”. Tinha o “Giovane Leite”, um sapateiro cheio de tiradas: “Ô gente… meu nome é Geovane Leite…se oceis num votá nimim…eu azedo!”. Me lembro de um comício no “Alto do Rosário”, que ocorreu a pedido da candidata “Tininha”, lá onde seria o seu reduto. Na sua vez de falar, não pôde usar o microfone… por ter tomado umas a mais e estar vomitando atrás do caminhão de som… deixando João bem enfurecido, apesar de saber de seu jeito descompromissado com a vida. Quando era o candidato “Leandro…o Mussum”, sua manifestação se resumia a um canto de congado:”Tá caindo fulô, tá caindo fulô…lá do céu e cá na terra…tá caindo fulô! Meu número é …cincueeeiiinta” Ao se apresentar o “Pinóquio da Dimacol”, outro pretendente a edil, um tanto quanto mais pra lá do que pra cá nas doses etílicas, para ter coragem, bradava como se partindo pra briga: “Meu nome…ééé….Pinóóquio da Dimacool…meu numo ééé…..” Nas ausências de disputantes pelo “clã Oliveira”, não ficamos totalmente de fora, prestando serviço para outros candidatos, principalmente com sonorização das campanhas. Registre-se também que alguns parentes nossos (tio e primos), disputaram e também venceram eleições na mesma trajetória. É difícil garantir que teremos ou não mais representantes nas disputas locais, mesmo que, dentre os descendentes mais novos, poucos…pouquíssimos se mostrem propensos a enfrentar o julgamento das urnas. Quando ocorreu a primeira eleição familiar em 1982 e por muitos anos seguintes, eu acreditava que nos cobria um certo viés esquerdista… cheiro ideológico que parece que foi se evaporando em muitos dos nossos familiares, decepcionados com os rumos dos governos eleitos nesse interregno… ou, então, não tinha de fato nenhuma ideologia em suas escolhas. As denúncias contra membros e apoiadores do “Partido dos Trabalhadores”, que ganhou 4 eleições nacionais seguidas, trataram de sepultar em muitos parentes próximos qualquer simpatia pela “esquerda” , que um dia pensei ser a nossa bandeira. Reconheço que nem tudo saiu como eu sonhava, principalmente nos governos petistas, seduzidos pela manutenção do poder a qualquer custo, deixando muitos de seus ideais serem devorados por outros interesses. Continuo a me sentir seduzido pelos sonhos esquerdistas, tendo muito mais tesão ideológico por um “Chê Guevara” do que por um “Donald Trump”, ainda que eu tenha que caminhar pelo vale das sombras, sendo um “infiltrado feliz” no seio do “Capitalismo”… que produz riquezas (até pra mim), mas que não as distribui como seria o justo. Deixo claro que abomino qualquer tipo de “ditadura”, seja de direita, de esquerda ou de centro. Na verdade… sou mais da chamada “esquerda festiva”…ligada às artes em geral… não nasci para pegar em armas. Um dia ouvi de um pretenso “reacionário cristão” que, já que eu era “tão de esquerda”, eu deveria vender meu patrimônio e doar o dinheiro aos pobres…fiquei bem constrangido com o meu silêncio. Depois até pensei que ele deveria fazer o mesmo, já de “Jesus” pregava isso também. Nem eu nem ele teríamos esse desapego, juro que não! Tento pelo menos estar consciente de que meus pecados, se não me livrarão do “Inferno”, rezo para que me poupem da hipocrisia de achar que estou sempre certo por aqui. A ilusão de pensar que tinha uma “família de esquerda” foi pulverizada com a eleição de “Jair Bolsonaro”, um sujeito que sustenta a bandeira de um falso moralismo… desrespeitando quem pensa diferente… que se diz “cristão”, mas tem simpatia por torturadores… que faz os mesmos conchavos políticos com grupos que prometeu jamais se interagir…e outras atrocidades dentro de minha ótica alimentada por outros exemplos melhores que os meus. Quase todos dentre os meus consanguíneos votaram nesse representante da “extrema-direita”. Reconheço que, em nossos contatos familiares pretéritos, quase nunca ocorreram quaisquer debates de ideias que pudessem justificar a cobrança de um posicionamento mais embasado, seja para um lado ou para outro. Nem poderia exigir que isso emergisse naturalmente em nós, de dentro pra fora… já que as influências externas, que apregoam (cochichando em nossos ouvido) que o “nosso bem estar” são sementes que não devem cair “ à beira do caminho…nem entre às pedras…nem entre os espinhos”… mas “na boa terra” dos nossos interesses…que são semelhantes aos de uma sociedade que preza muito pelo “venha a nós a nossa renda!”. Mas quero respeitar a opção de qualquer um… ainda mais que, mesmo tendo ocorrido uma “transfusão de ideias”, não nos submetemos a uma troca de sangue… somos ainda a mesma irmandade, com qualidades e defeitos, mas tendo muitos momentos festivos e agradáveis a rememorar… e a viver, que resistirão a eventuais radicalismos de lado a lado. Nota-se também que questões religiosas, que atraíram tantos para o seio “bolsonarista” (apesar de seu histórico pessoal e familiar tão falso e antagônico), contribuíram para seduzir muitos dos que nasceram do mesmo útero que eu. Apesar de respeitar a opção de fé de cada um… qualquer fundamentalismo que se banhe nas pregações demagógicas desse pretenso “líder”… em nada me atrai. Consola-me perceber que, dentre meus filhos e alguns sobrinhos e sobrinhas, manifestações mais desatreladas desse retrocesso moralista e político preenchem seus corações… e até merecem destaque em suas redes sociais. Sei que não convencerei a muitos…e nem tenho essa pretensão… talvez tenha sido uma ilusão pensar que minha família fosse de “esquerda”… ou seja precipitado achar que tenha se tornado de “direita”…o futuro dirá…ou o nosso próximo encontro festivo.

(Esta é mais uma de minhas anotações pandêmicas, “PUXANDO PELA MEMÓRIA”, que vai reunindo o que me lembro de mim mesmo e dos meus)

@opedrosantosde

 

 

 

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