A INQUISIÇÃO NO BRASIL: VILANIA, OPRESSÃO E ASCENSÃO SOCIAL

A INQUISIÇÃO NO BRASIL: VILANIA, OPRESSÃO E ASCENSÃO SOCIAL.

Antônio Pimentel

Gosto de passear pelas páginas de livros de história do Brasil e parar em momentos da nossa trajetória. Tenho lido textos de Laurentino Gomes e Eduardo Bueno, jornalistas-historiadores, profissionais que aliam pesquisa, capacidade de contar histórias e linguagem simples. Um jeito bom de difundir conhecimentos.

Folheando o livro Brasil: Uma História – Cinco Séculos de um País em Construção, de Eduardo Bueno (Leya, 2010), parei na página sobre o Santo Ofício da Inquisição, uma das mais famigeradas instituições da humanidade, com forte atuação em Portugal, da Idade Média até o início do século XIX. Em junho de 1591, chegou ao Brasil o primeiro “visitador” da Inquisição, o desembargador Heitor Furtado Mendonça. Durante quatro anos, ele percorreu as capitanias da Bahia, Pernambuco, Itamaracá e Paraíba. Seu trabalho era combater o pecado e a heresia, o pecador e o herege. Suas armas: a força do Estado, o poder da Igreja Católica e o terror. O “visitador” tinha autorização para torturar e matar, com santa aprovação.

Logo que chegava à capitania, o inquisidor publicava o “Édito da Graça” e abria um período de trinta dias para que as pessoas confessassem espontaneamente suas culpas, escapando assim de castigos corporais e confiscos de bens. Depois desse período, ele abria a temporada de “denunciações”: delações, intrigas e acusações. Era o momento produtivo da Inquisição e desastroso para aqueles considerados infiéis. Destaco que o Santo Ofício mirava os bens dos “pecadores”, expropriava os “hereges” e fortalecia o patrimônio da Igreja. Era também uma empreitada mercantil. Outro destaque: a vilania de muitos cidadãos, com o ato indigno da deduragem, era vital para o fornecimento de “pecadores” ao “visitador”. A engrenagem da Inquisição apoiava-se na bisbilhotice e na denúncia, gerando um processo de violência e rapinagem.

Delatar era um caminho de ascensão social. Ser ativo cooperador da Inquisição e ficar bem com os inquisidores, duas oportunas providências para quem buscava status social. Criava-se assim uma rede de deduragem e distinção social, porta aberta para privilégios. A Igreja Católica incentivava os acusadores, punia os “impuros”, enriquecia seu patrimônio e chancelava os delatores. Um processo cruel e inescrupuloso, útil para alguns.

Eduardo Bueno destaca que, na Bahia, em dois anos, houve “o registro de 133 culpas confessadas ou denunciadas”. Entre elas, “29 blasfêmias, 19 sodomias, quatro ‘pactos com o diabo’, uma ‘defesa pública da fornicação’, um ‘fornecimento de armas a índios’ e inúmeros ‘pecados contra a fé’”. Temos aqui uma amostra dos focos de punição da Inquisição, alguns objetivos; outros, difusos. Um terreno pantanoso para qualquer cidadão mais falante, assanhado ou fagueiro. “Pecados contra a fé” e “blasfêmias” são rubricas que comportam de tudo, mundo vasto mundo. O que terá feito o sujeito que defendeu publicamente a fornicação? Hoje em dia, a defesa do fornicador certamente seria vista como uma bobagem de novela. Como conseguiram os inquisidores chegar a 19 sodomitas e comprovar a prática considerada delituosa? Intriga e baixeza. O dedo acusador mirava o fiofó alheio, sem perdão.

O historiador Aldair Carlos Rodrigues, da USP, estudou o assunto, particularmente os mecanismos de ascensão social, e destaca dois aspectos: para as elites da época, tanto na Península Ibérica quanto nas colônias americanas, era muito importante provar a “limpeza de sangue”: o não pertencimento às “raças” consideradas “infectas” (judeus, muçulmanos, negros, indígenas). Integrar os quadros da Inquisição, um atestado de “limpeza de sangue”, exercia enorme atração sobre as elites coloniais. Segundo levantamento do historiador, “para o século XVIII, havia, em toda a colônia, aproximadamente 200 comissários da Inquisição no setor eclesiástico. Na mesma época, o número de agentes civis ligados à instituição chegava a cerca de dois mil – 457 deles apenas em Minas Gerais”. “Esses agentes civis, chamados de ‘familiares do Santo Ofício’, eram, principalmente, pessoas que estavam enriquecendo a partir de atividades comerciais, mas ainda não dispunham de status social. Para tais pessoas, colaborar com a Inquisição era uma forma rápida e eficaz de ascender socialmente.”

O assunto é amplo e complexo. Fico por aqui. Minha intenção é mostrar que o terror estatal e religioso ou de qualquer outro tipo anda sempre de braços dados com a cobiça, o egoísmo, o interesse mesquinho de ascensão social a todo custo, e a traição. Há sempre gente disposta a intrigar e delatar para conseguir vantagens. Mais uma face da miséria humana.

12/09/22

@antoniopimentelbh

 

23700cookie-checkA INQUISIÇÃO NO BRASIL: VILANIA, OPRESSÃO E ASCENSÃO SOCIAL

Deixe comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos necessários são marcados com *.