O Despertar da Primavera

O Despertar da Primavera

Victor Fernando

Chateaubriand, enquanto vivo, dedicou-se a buscar a beleza e como cristão devoto, identificou o belo no cristianismo, a ponto de escrever “As belezas do Cristianismo.” Em seus livros mais famosos, René e Atala, vê-se o que ele entendia por beleza: florestas exuberantes e exóticas, com pastos paradisíacos e uma noite densa, com barulho de animais e tudo isso sendo regido por um Deus (não somente a natureza, mas a própria conduta dos homens estava sob sua influência).

Romântico e conservador/monarquista, sofreu desilusão com os revolucionários de 1779 ao ver sua família morta pelas mãos dos raivosos. Desamparado, buscou refúgio nas florestas dos Estados Unidos. Lá, entra em contato com tribos indígenas, inspirando que escrevesse suas obras já mencionadas.

Seu espírito romântico e melancólico são marcas do seu tempo, é o “mal du siècle”. Aparentemente, esse sentimento foi-se acentuando até chegar a Grande Guerra, culminando num golpe fatal no mundo clássico e no avanço das vanguardas. Se a beleza era antes, para chateaubriand, a natureza divina, o cristianismo, agora era o progresso, o futuro. De modo geral, os artistas não queriam uma “arte burguesa” e lutavam contra ela. Tudo que era burguês era rechaçado.

Para dar vazão a todos esses acontecimentos e muitos outros, fez-se necessário um livro, escrito por um grande intelectual. Este livro é Sagração da Primavera, de Modris Eksteins. Nascido na Letônia, Modris buscou em seu livro, muito bem acabado e extremamente sensível, instigar as imaginações e os intelectos com a Europa do começo do século XX e toda a animação e empolgação que a mesma vivia.

Aqui, o leitor tem que ter em mente que irá encontrar um livro psicológico e cultural, que inclusive evoca em alguns pontos filósofos e a psicanálise, tratando dos aspectos do homem europeu na virada do século. Foge ao aspecto puramente material da coisa. Trata do que se passava na mente e os objetivos mais abstratos dos povos à época e a maneira como isso influenciou não só no desenrolar da guerra, mas inclusive, o pré-guerra.

O título da obra é dado em homenagem ao balé russo de Stravinsky que, como todos sabem terminou, na noite de sua estreia em Paris, em uma bagunça que ninguém sabe dizer ao certo o que ocorreu. Os relatos confundem-se. Se a confusão se deu de um jeito ou de outro, não nos interessa, pois sabemos que ela ocorreu e para Modris o balé foi um símbolo para o que estaria por vir: assim como no ballet, uma virgem é sacrificada, e em 1914, uma geração inteira de jovens se perde em meio a uma guerra que desola a Europa e toda a cultura clássica, abalando os pilares já cansados do Ocidente.

O livro é dividido em três atos, sendo o primeiro o momento do despertar da primavera, com a empolgação de muitos diante dos ballets russos, cativando muitas mentes e corações, inclusive Marcel Proust era um de seus entusiastas. O historiador leva seus leitores aos centros mais importantes onde tudo estava sendo desenrolado: a Alemanha, a França, a Itália e a Inglaterra. A empolgação era tamanha, que muitos festejaram o início do conflito e muitos outros eram guiados pelo espírito da “Guerra Total”, assim como Wagner quis a “Arte Total”.

Já no Segundo Ato, acompanhamos o transcorrer da Grande Guerra e seus acontecimentos, assim como o conflito principalmente entre Alemanha, segundo o autor, à época progressista e o centro das vanguardas, e a Inglaterra, temerosa diante de tal progressismo e mais conservadora. Aqui, o historiador adentra os acontecimentos mais importantes e a maneira como eles refletiam a espírito alemão, francês e inglês e como esses mesmos espíritos eram moldados pelo conflito.

O Terceiro Ato, o derradeiro e mais avassalador, pois começa com o ressentimento e a dor dos que perderam e a vitória dos vanguardistas, triunfando e levando suas palavras mais adiante, e terminando com a morte daquele que foi o líder da tentativa de mudança ao mundo ´pré-guerra, um homem cruel, triste e fraco, que foi considerado um pintor “bom”, porém, longe dos grandes mestres das pinturas, que colocou, segundo Modris, nos judeus os seus complexos e frustrações, sejam que qualquer natureza, Adolf Hitler. Assim, como uma tragédia, o livro começa com a felicidade de uma geração perdida, caminha por entre a terra de ninguém, e termina com a morte. Assim como a Primavera, o mundo floresceu diante das vanguardas, dando vida e frescor após um período de inverno – aqui me refiro ao inverno europeu – e terminou com um verão quente e mórbido, dando um comodismo caduco a todo o ocidente, que se vê-se mergulhado em preguiça diante das atrocidades perpetradas. – Este clima, que tanto aquece as imaginações, e faz brotar poetas, quase como faz brotar as flores, por um fenômeno, aliás explicável, torna preguiçosos os espíritos, e nulo o movimento intelectual.

O meu intuito não é expor cada palavra do autor, pois o tema que ele se propôs é complicado e eu não me sinto, somente com essa leitura, capacitado a tal feito, e também não costumo ensinar, pois para isso, exige-se muitas leituras de um só tema. Antes, meu trabalho é mostrar a obra e a beleza que se pode encontrar nela. A sensibilidade com que o historiador se propôs a apresentar, como uma peça, dividindo-a em três atos e acompanhando uma trama que se assemelha com as obras gregas, quase dando uma carga imaginativa ao livro e unindo história à arte – no sentido da mimeses. Lendo, perde-se a noção que se trata de um livro de história e se acredita se tratar de uma obra fictícia, tamanha é a riqueza de detalhes. Pode-se muito bem pensar que a Alemanha, por exemplo, é um personagem de um livro de Goethe ou que a Inglaterra saiu da mente de Daniel Defoe.

Sendo assim, recomendo a sua leitura a todas as almas que se interessam por livros da Primeira Guerra Mundial e sobretudo, a Modernidade.

@ich.binvic

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