COISAS QUE VOCÊ DEVERIA SABER ANTES DE LER A SUA PRIMEIRA TRAGÉDIA GREGA

COISAS QUE VOCÊ DEVERIA SABER ANTES DE LER A SUA PRIMEIRA TRAGÉDIA GREGA.

 

Sidney Silva

Ler uma tragédia clássica grega pela primeira vez não é tarefa fácil. As obras costumam ter poucas páginas e isto pode enganar o leitor incauto. A leitura dos textos de Sófocles, Eurípedes, Ésquilo e outros exige dedicação do leitor. Se ele não gostar de estudar antes, durante e depois da leitura do texto trágico, pode-se afirmar que a experiência estará sendo desperdiçada. Mas o que deve-se saber antes de se iniciar esta empreitada?

A primeira dica é estudar mitologia grega, e aí não basta saber que Atena é a deusa da sabedoria e Eros o deus do amor. Tem que estudar mesmo, ir além do que está na wikipedia. Recomendo as obras Mitologia Grega e Romana, de Pierre Commelin e Deuses e Heróis da Mitologia Grega e Latina, de autoria de Odile Gandon. Leia a sinopse da tragédia, veja quais são as divindades referenciadas e estude-as. Os textos trágicos eram representados em festivais cívicos e eles supunham que a plateia (leitor) conhecia os respectivos deuses envolvidos na trama. Não conte com a ajuda do autor da tragédia para entender os meandros do monte Olimpo.

A segunda dica é estudar história grega. Parte considerável dos textos trágicos aborda episódios do período histórico conhecido como Grécia Heróica, um exemplo disto são as referências à guerra de Tróia na obra Agamenon, escrita por Ésquilo. Para entender a trama, deve-se estudar a história associada à tragédia. Textos bem comentados dão uma referência histórica, mas isto não costuma ser o suficiente para uma boa experiência literária.

A terceira dica é estudar as lendas associadas à obra. Boa parte dos textos trágicos têm origem em lendas, por exemplo, Édipo (a lenda dos Labdácidas). Para se entender o texto trágico é preciso estudar em paralelo autores que explicam estas lendas. É necessário compreender também que estas lendas costumam apresentar variações, um bom autor explicará estas sutilezas. O texto trágico em si, não costuma ser didático.

A quarta dica é compreender que a civilização da antiga Grécia é muito diferente da nossa. Algumas pessoas já nasciam malditas e predestinadas para um final trágico. Eles não acreditavam na autonomia da vontade tal qual fazemos hoje. A conduta humana  era ponderada pelo ethos (caráter humano) e pelo dáimon (inspiração divina). Quando um casal se apaixonava, acreditava-se na interferência de Cupido. O herói trágico nunca é totalmente responsável pelas suas ações.

A quinta dica é compreender que no período histórico em que as tragédias clássicas foram escritas, Sócrates, Platão e Aristóteles não haviam nascido. Então, leve em conta que o texto é carregado de misticismo. O herói trágico é confuso e desajustado, sai de uma sociedade extremamente mística e caminha lentamente para a racionalidade. Todo texto trágico é consagrado.

A sexta dica é entender a função do coro no texto trágico. Os atores principais eram profissionais, o coro, por sua vez, era composto por amadores, cidadãos de Atenas. O coro representava o senso comum de um determinado grupo social, por exemplo, em Medeia, ele é composto por mulheres do reino de Corinto. Então, quando você quiser imaginar qual era a reação da plateia daqueles tempos, fique de olho no coro.

A sétima dica é entender a pirâmide social (hierarquia) da Antiga Grécia. Acima de todos e todas estão as divindades olímpicas. Abaixo os semideuses, nobres, heróis de guerra, mulheres livres, escravas(os) e estrangeiros(as). Os personagens costumam ser resignados ao seu lugar social. As mulheres sofrem tal qual nos descreve Chico Buarque de Holanda na música Mulheres de Atenas.

A oitava dica é óbvia para qualquer fã de Star Wars, apesar disto, muitos a ignoram, inclusive estudiosos da filosofia do direito. Não é razoável ler apenas o último volume de uma trilogia, não se compreende a obra Antígona se os textos Édipo rei e Édipo em Colono não forem lidos previamente.

A nona dica: busque saber da biografia do autor. Sófocles, por exemplo, havia sido curador de um templo dedicado a Apolo. Saber isso é fundamental para se compreender verdadeiramente a obra Antígona. O suposto embate entre as normas do Estado e as tradições religiosas ficam em cheque após sabermos o quanto Sófocles era místico.

A última dica é ler obras especializadas em analisar os textos trágicos, para iniciar, recomendo Mito e Tragédia na Grécia Antiga, de autoria de Jean-Pierre Vernant e Pierre Vidal-Naquet. Eles são rabugentos, mas costumam analisar os textos de uma maneira não óbvia.

Aproveite que os textos trágicos são curtos e os releia quantas vezes for necessário.

 

@sidneynascimento.advogado

 

 

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