Sou da época

Eugênia Câmara

Estamos numa época de um policiamento verbal e comportamental nunca visto, onde tudo pode ser falado, mas nada dito. Todas as nossas opiniões tem que serem pensadas antes de faladas ou caladas. Alguns anos atrás, não podíamos nos expressar politicamente, pois vivíamos numa ditadura. Mas o que dizer de agora onde tudo é politicamente incorreto? O cerco do policiamento verbal está cada vez pior. Onde iremos parar? Não sei. As próximas gerações contarão. Enquanto isso, fico nas memórias da minha vida, pois sou da época:

– De uniforme escolar com direito a saia plissada com quatro dedos acima do joelho e meias brancas também até o joelho, com direito a japona com emblema da escola;

– Prova oral;

– Das alunas se levantarem quando alguém entrava na sala de aula;

– Sermos obediente quando a professora pedia silêncio;

– Bilhetinhos passados escondidos de uma colega para a outra;

– Caderno de caligrafia;

– Tabuada decorada, até ficar na ponta da língua;

– Chiclete de Ploc e Ping Pong em apenas dois sabores: morango e hortelã;

– De usar as palavras mágicas: por favor, com licença e muito obrigada;

– Dos mais moços cederem o lugar para os maios velhos, assim como abrir a porta do elevador para os mais idosos;

– Cair de bicicleta e fazer curativo com água oxigenada, mertiolate e um pó para cicatrizar chamado Anacepitil;

– De ir de DKW para praia; entrar na água com planonda;

– Reunião dançante de fundo de garagem, com direito a comes e bebes, sendo que esses de forma furtiva, transformava-se em cuba libre;

– Dançar de rostinho colado;

– Usar pantalonas, sapatos plataforma e camisas apertadas;

– Sair com algum crush e ter que levar o irmão ou irmã junto – o famoso chá de pera;

– Mãozinhas furtivas e beijos roubados;

– De “deixa o teu pai chegar para ver o que vai te acontecer”, pavor;

– Do “em casa a gente conversa”, pânico;

– Boa Noite Cinderela no programa do Silvio Santos, onde todas as meninas sonhavam em ter um dia de princesa;

– Chacrinha com seu refrão “Teresinha” ou “quem quer um abacaxi?” e assim por diante;

– De chamar alguém que usava óculos de “quatro olhos”, sem medo de ser alertado que esse simples comentário pode ser considerado “olhofobia”;

– De pintora de rodapés, para quem era baixinha, como o meu caso superado sem ida para um divã de analista;

E por fim, do “eu era feliz e não sabia”. Tomara essa geração atual e as próximas que vierem, possam ter esse tipo de lembrança e que não sofram de “lembrofobia”.

@mecalves