“O Pequeno Príncipe”: Uma Jornada Filosófica de Autoconhecimento

Devanildo de Amorim Souza

Advogado, Mestre em Direito e escritor.

“O Pequeno Príncipe”, obra atemporal de Antoine de Saint-Exupéry, fez sua estreia literária em 1943. Essa bela criação foi lançada concomitantemente nos Estados Unidos e no Canadá, circulando em duas línguas, inglês e francês, durante o tumultuado contexto da Segunda Guerra Mundial. No idioma original, o francês, esse clássico é conhecido pelo título “Le Petit Prince”.

Inegavelmente, “O Pequeno Príncipe” pode carregar um peso filosófico, embora talvez não seja aquele que é comumente percebido. Afinal, o propósito de uma obra filosófica não é erigir novos ídolos, nem tampouco se transformar em um manual prescritivo de comportamento humano.

Uma obra filosófica assemelha-se à experiência de estar diante de um espelho, empunhando um punhal sob a ilusão de que está apontando para o outro, quando, na verdade, está direcionado para si mesmo.

A narrativa de “O Pequeno Príncipe” parece ser uma apologia às relações humanas, onde a raposa, sutilmente, ensina ao príncipe a importância do amor e da amizade. No caso de “O Pequeno Príncipe”, quando se presume que a obra é destinada aos outros, é nesse instante que o equívoco se faz presente, pois ela ressoa, na realidade, no íntimo daquele que ousa decifrá-la para terceiros.

O verbo “cativar” supostamente evoca uma responsabilidade mútua de cuidar, nutrir e preservar as conexões estabelecidas com outras pessoas, como expresso na célebre frase: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Contudo, uma obra filosófica não dita um caminho a ser seguido, ela expõe a penitência por seguir um.

O verbo “cativar”, oriundo do francês “apprivoiser”, pode assumir nuances de “domesticar” ou “aprisionar”. Assim, poderíamos refletir:

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas?

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que domestica?

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que aprisiona?

Dessa forma, o célebre trecho “Tu não és para mim senão uma pessoa inteiramente igual a cem mil outras pessoas. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim”. Mas, se tu me cativas – doméstica ou prende -, nós teremos necessidade um do outro. “Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo” adquire nuances que se harmonizam com a essência de uma obra filosófica.

Por que, dentre todos os seres, é a raposa que entrega essa lição? Por que não um cão, conhecido por sua lealdade e natureza doméstica, ou um gato, frequentemente domesticado, ou até mesmo um elefante, símbolo de memória? Por que uma relação de amizade, em que o amor é articulado através do verbo francês “apprivoiser” (cativar, domesticar, aprisionar), é conferida à voz de uma raposa?

Desde a Antiguidade, a raposa é reverenciada no Ocidente por sua sagacidade e astúcia. Essa percepção é ecoada até mesmo por Saint-Exupéry em “O Pequeno Príncipe”, quando ele diz: “Eu caço galinhas e os homens me caçam”, deixando clara sua ululante matreirice.

Esse pode ser o cerne filosófico da obra. Através dessas representações, a ideia do punhal voltado para si próprio vem à superfície, enfatizando que o amor não é um bem incontestável. O amor pode se manifestar como um laço belo e harmonioso, mas também como uma prisão. Ele pode encobrir uma domesticação, seja ela óbvia ou dissimulada.

Ao invés de oferecer uma interpretação voltada para os outros, a obra se desdobra em uma leitura introspectiva: o amor pode ser astuto como uma raposa. Ao invés de promover a liberdade, impõe-se a necessidade – uma castração ilegítima que limita o verdadeiro florescer do amor.

Portanto, em vez de se promover um amor baseado na necessidade, o que se busca genuinamente comunicar é que o amor verdadeiro floresce na liberdade, pois o amor desprovido de liberdade é como uma “raposa” em pele de cordeiro, uma ilusão que esconde sua verdadeira natureza.

A Ruana Amorim e ao Daniel Dias, que compartilham da magia e sabedoria de “O Pequeno Príncipe”. Com carinho, Devanildo Souza.

Petrolina, PE, sábado, 3 de jun

@devanildodeamorimsouza

 

 

 

 

29370cookie-check

Deixe comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos necessários são marcados com *.