Será que Sentei?
Será que sentei?
Eugênia Câmara
Será que sentei? Ainda não sei, mas com certeza sessentei. E agora, o que fazer com isso? Ainda não sei.
Será que sento ou não? Sentar-se significa admitir o inadmissível: a velhice. Não sentar é contestação da idade, é tentar ludibriar o que não pode ser enganado. É sentir-seroubada por fora e guardada a sete chaves o que há por dentro.
Os cabelos ficam brancos ou ralos, a pele não tem mais o tônus nem o encanto de antes. As curvas de santos já deixaram de existir, agora são montanhas adormecidas, texturas de lembranças em cada pedacinho do corpo.
A barriga trás cicatrizes, o corpo que um dia amamentou está seco. O único alimento é a sabedoria, que alimenta a alma dos jovens. Quando eles querem ser alimentados, se não me sentarei. Quantas vezes já sentei? Não sei.
Sentar-se também significa observar; enxergar o que não se vê. É ler por entre linhas, é calcular as consequências, é observar o pássaro na sua trajetória. É ver o sol e o por do sol, é atravessar a nado tudo que vivemos, é render-se aos sessenta.
É acreditar que mesmo agora, perto do final da régua, ainda podemos sonhar. É o paradoxo do século, uma ambiguidade ambulante, um despertar tardio, uma vida diferente. Cada gota que se perde se reverte.
É a complexidade da alma bradando pela vida, é a inveja do corpo clamando pelo fim. É a irreverência da mente e o pecado do tempo, uma luta inglória.
Sessentei, já sentei, afinal ainda não sei o final da história.
Advogada de profissão, escritora de coração, EUGÊNIA CÂMARA, como gosta de ser conhecida, nasceu em 1961 na cidade de Porto Alegre onde vive até hoje. Mesmo dedicando-se durante anos à advocacia, nunca deixou de sonhar que um dia escreveria o que passava em sua alma. Então, em 2020, resolveu colocar em prática o que sempre desejou: escrever. Em 2020/2021, fez o curso de formação de escritores pela Metamorfose, do professor e escritor Marcelo Spalding, onde teve um conto publicado no livro DE VOLTA AOS ANOS 80. Também cursou a Oficina de Crônicas da Santa Sede, do professor e escritor Rubem Penz, em 2020 e 2021, onde descobriu sua paixão por crônicas. Terá participação de diversas crônicas no próximo livro editado pela Santa Sede do professor Rubem Penz. Colabora com crônicas mensais no site das 5 gatas do professor Gilberto Fonseca.
Parabéns Eugênia. Eu amei muito. Muito verdadeira e realista. Parabens
Adorei. É o tempo, inexorável, castiga o nosso corpo e alimenta a nossa alma, em nome do acúmulo. Bravo Mecalves.
Gostei muito. Tens muita sensibilidade. Já sessentei e o sentimento é bem esse. Um grande abraço!
Parabéns Eugênia! Texto muito bom! Nos identificamos com as colocações! Idade traz muita sabedoria! Adorei!