Sobre toque de arrebol na aurora urbis

Sobre toque de arrebol na aurora urbis

Geórgia Alves 

Cecília tomou uma ou outra taça de vinho. Está para além do décimo andar de prédio chique. Festa animada com amigas dos tempos de adolescente, nem por isso deixa de compadecer do homem em farrapos que lá, tão distante de onde se encontra, cata restos de comida em vestes surradas. Neste contexto desinteressante vai, por acaso, conhecer Eugênio. Que tem aspirações artisticas, bastante repremidas pelo contexto familiar. Pais de origens russas e que precisam se manter em um país estrangeiro e sempre em embrólios financeiros, éticos, políticos. Nada haveria nesta conexão a fazê-los alcançar algo do nivel do que se poderia chamar de relacionamento ou essa outra palavra em desuso: namoro. Há outras personagens bem definidas na história. Beatriz, Débora, Eleonora, Dimitriv, no entanto Lúcia, por hora, é quem mais nos interessa. Alguém que está no processo de doutoramento do curso de Letras será uma pedra de toque no encontro entre Cecília e Eugênio. Toque de Arrebol é um dos mais variados livros do gênero de ficção que encontrei por estes dias. E na Bahia! Ainda que Juliano esteja tão entranhado à Literatura Pernambucana quanto eu e você, que nasceu nestes arredores da Literatura Brasileira tão feita por nordestinos. O Romance de Juliano Ferro é este olhar de um jovem em refinamentos aos terríveis abismos sociais. À lógica da verticalização que toma conta deste mundo cada vez mais materialista excludente. Com prefácio da escritora, poeta, integrante da Academia Pernambucana de Letras, Flávia Suassuna menciona o domínio do autor sobre a língua portuguesa. Sua fiemeza em defender as prioridades estéticas. Suas escolhas. Seu amor à Arte e Literatura nem é preciso mencionar. Basta ler um primeiro parágrafo e o estilo já se evidencia. O que Luigi Pareyson chamou de processo de formação fundido à personalidade do artista, coincidindo ao tecido obra. Eis o trabalho de uma geração que precisa encontrar seu próprio tempo, uma voz própria, formativa. Sem abdicar de um estilo próprio. Caso contrário estaria subtraindo chances de transformação que só cabem no contexto de matéria onde habite a alma. Com grande calma de escrever e rever parâmetros deste e outro tempo. Seus paradigmas, uma essa espécie de nova luta verbal, antes de aplicativos e até 2021, antes de uma outra Literatura. Ferro edifica a narrativa com bases no que soa mais sábias escolhas da Teoria da Formatividade. Com fôlego, ânimo e energia suficientes para mais toques às gerações que lhe serão póstumas ou o precedem. A gente bem sabe o quanto não é nada fácil ou simples escrever um Romance e ter o que dizer para uma Literatura feita de Arianos, Raimundo e Gracilianos. Juliano aos dez anos já dava sinais de que há sempre na inocência dos incautos matéria-prima suficiente aos que, sem alguma modéstia e humildade, não estariam a cometer erros quando no confronto consigo mesmos encontram as forças necessárias que enfrentariam com coragem as longas e pedregosas travessias. A seca das boas imagens. A saciedade de exímios em inauguração de estilos. Brilhantes trajetórias tal Machados de Assis, que Juliano sabe de cor, e Guimarães Rosas. Ao não abandonar sua pena, o jovem refaz algumas das extensas rotas de errância e nomadismos de uma poéticada relação de que fala Édouad Glissant. Os enraizamentos ainda presentes no êxodo criticados por Gilles Deleuze e Félix Guatarri. Não são poucos os que fazem elogios às elegâncias vazias da busca pelo novo. No entanto, estes mesmo bem sabem do erro de.igmorar o quão impura é a teoria de criar algo em tempos onde toda a roda inventada circula incessantemente enquanto rizoma do nada. “A raiz é única, é uma origem que de tudo se apodera e, que mata o que está à volta, opõem-lhe o rizoma, que é uma raiz desmultiplicada, que se estende em rede pela terra ou no ar, sem que nenhuma origem inventada como noção de enraizamento, mas recusa a ideia de uma raiz totalitária”. Cecília guarda o tanto é capaz este amor a Eugênio numa sociedade onde tudo se perde pela falta de palavras-chaves. Como peças de um relógio antigo que marca aí da o tempo de tantas salas de jantar. Juliano Ferro não deixa de oferecer alguma chance para elucidar enigmas futuros, ou que ainda se debate no tempo presente, por deixar de acreditar na força de palavras inteiras. Que sua Literatura bem demonstra uma força de manter vivas. A despeito de qualquer olhar enviesado. Ou costume de colocar o vazio antes da ponte. Os abismos antes da verdade da vida e do amor.

@georgia.alves1

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